sexta-feira, 6 de setembro de 2013

ÉTICA E CIDADANIA - "Lixo"

01/09/13 09:00 hs


Lixo Zero: as justificativas mais comuns de quem foi pego sujando as ruas
Foto: Ilustração: Cruz
Mariana Filgueiras - O Globo


RIO - Eram quase 8h da segunda-feira passada e as ruas do Centro estavam apinhadas de pessoas chegando para trabalhar. Com elas, surgiram também as 58 equipes da operação Lixo Zero, que desde o último dia 20 estão percorrendo as ruas do bairro para multar quem joga lixo no chão. Formada por um policial militar, um guarda municipal e um fiscal da Comlurb, uma das equipes mal chegou à esquina da Rua Sete de Setembro com a Avenida Rio Branco e já começou a varredura com o olhar. Encontraram o primeiro “suspeito”: um rapaz engravatado que se encaminhava para a lateral de uma banca de jornal.
— Deve ser funcionário de alguma empresa que desceu para fumar. As pessoas têm o hábito de fumar lendo as notícias dos jornais pendurados nas bancas. Depois, jogam a guimba no chão — comentou o funcionário da Comlurb.
O rapaz de fato acendeu o cigarro e leu as notícias esportivas. Mas, educado, apagou a guimba na placa de metal que fica na embocadura das lixeiras e a jogou lá dentro. O segundo suspeito era uma mulher que saía, com pressa, de uma loja de fast-food da Rua do Ouvidor e amassava o pacote do lanche.
— Perto de lanchonete rende bastante abordagem. As pessoas compram o sanduíche, vão comendo na rua e jogam guardanapos no chão. É batata — ensinou o fiscal, que quase ficou desapontado quando a mulher conseguiu enfiar o papel amassado numa lixeira entupida.
Eram 9h quando a equipe aplicou a primeira multa. Ao observar uma mulher que mexia na bolsa, o guarda municipal fez sinal para os outros dois. Ela pegou um maço de cigarros aberto e virado para baixo — sem querer, deixou cair um cigarro no chão. Mas ignorou o incidente e seguiu seu caminho. A equipe fez a abordagem. Intrigada, ela soltou a desculpa:
— Eu não fiz de propósito, foi sem querer. Eu nunca jogo lixo no chão!
— Mas a senhora viu e não catou. Qual o número do seu CPF, por favor? — indagou o fiscal, emitindo, num palmtop, a boleta com o valor da multa pela infração: R$ 157.
Às 9h40m, um fiscal da equipe responsável pelo cumprimento da Lei de Limpeza Urbana no Largo da Carioca estava intrigado. Minutos antes, tinha abordado uma mulher que fumava na rua. Quando ela deu o último trago, conta ele, tirou o cigarro da boca com os dedos e emendou o gesto num peteleco que jogou a guimba longe.
— Fui multá-la e sabe o que ela me disse? “Mas a graça de fumar é dar um peteleco no final!” — espantou-se o fiscal, dizendo que aquela foi a desculpa mais curiosa que ele já tinha escutado em uma semana de operação.
Tão certo quando o fato de a cidade, em certos locais, parecer uma lixeira a céu aberto é o fato de que todo cidadão abordado pelos fiscais solta uma desculpa, esfarrapada ou não.
Na última segunda-feira, quando a operação entrava na sua segunda semana de funcionamento, a Revista O GLOBO acompanhou durante um turno (das 7h às 15h) o trabalho dos fiscais da operação Lixo Zero para colher o que diziam os multados.
As reações passavam por quatro tipos básicos de desculpas (além daquelas que entram na categoria surreal, como a do tal peteleco): “Eu nunca faço isso”; “Não há lixeira suficiente”; “Não sou do Rio, não estava sabendo desta lei”; “Tanta coisa errada por aí e vocês vão implicar com a guimba do meu cigarro.”
De posse das desculpas mais usadas por quem foi pego em flagrante, geralmente chamadas de “esfarrapadas”, pedimos ao sociólogo e professor de Sociologia da UFRJ Alexandre Werneck que analisasse caso a caso. Werneck acaba de publicar pela editora Record o livro “A desculpa: as circunstâncias e a moral das relações sociais”, o primeiro ensaio brasileiro sobre o tema.
De acordo com estudos clássicos de Filosofia da Linguagem, explica ele, “a desculpa é um dispositivo para dar satisfação aos outros”.
— É um mecanismo corriqueiro da vida social. Nós prestamos conta do que fazemos o tempo todo —afirma Werneck, salientando que em sua tese de doutorado, que deu origem ao livro, o que ele faz é estender essa definição. — Analiso a desculpa como uma prestação de contas na qual se mobiliza uma circunstância específica para justificar aquela situação. Quando você pode usar uma circunstância para dar conta da vida é porque você está num ambiente no qual as pessoas são menos moralistas e mais dispostas a negociar com o outro em sua visão de certo e errado. É o que acontece no caso das pessoas que são multadas jogando lixo no chão. No fundo, elas admitem que fizeram algo errado, mas recusam a responsabilidade pelo que fizeram.
Isso acontece, explica ele, porque em geral partimos do pressuposto de que todas as nossas ações são perfeitas.
— A desculpa é a percepção de que as circunstâncias existem. Funciona assim: “Admito que fiz algo errado, mas algo chamado circunstância maior fez com que eu agisse de uma forma imprevista.” Ou seja: o sujeito está de acordo com a regra, e normalmente a segue. Mas exclusivamente naquele momento, alega que não foi o que aconteceu — ressalta o sociólogo.
Em relação às quatro desculpas mais usadas pelos multados, ele observa:
— No caso do “eu nunca faço isso”, a pessoa usa como circustância uma “alteração de si”. É como se dissesse: seja qual for o estado em que eu estava quando fiz o que fiz, ele é totalmente diferente de quem sou habitualmente. Quando o cidadão alega que “não encontrou lixeira”, ou que “não sabia da lei”, vemos um exemplo do tipo de desculpa “é assim mesmo”. O objeto do imprevisto não está na pessoa, mas na situação. O ambiente é que não oferece recursos para se seguir a regra moral.
Quanto ao último caso, quando a pessoa faz uma crítica embutida na desculpa — “tanta coisa errada e vocês implicando com a minha guimba” —, o sociólogo aprofunda a questão:
— Mais uma vez um movimento de deslocamento da responsabilidade em termos de contexto. Afinal, o Brasil ou o Rio seriam ambientes com problemas demais, o que permitiria criar uma escala de importância segundo a qual a regra moral do lixo é circunstancialmente menos importante do que outras. É um caso curioso, porque ao mesmo tempo em que se demonstra adesão à regra, mostra-se um certo desengajamento dela. A regra seria para ser obedecida, mas seu descumprimento não seria para ser punido.
O sociólogo não alivia a infração, mas lembra que as desculpas usadas não são sinônimo de mentira.
— A desculpa é considerada uma vigarice moral, mas é um operador fundamental da vida social, pois ajuda a manter as regras morais — diz ele.

[Comentário Enzo]
Gostei dessa idéia de multar pessoas que jogam lixo no chão, tem muita gente mal educada, e infelizmente se não for assim, continuam fazendo. A nossa cidade é linda e sem lixo no chão fica ainda mais linda.

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